26/01/2009

Sementes Mágicas de V.S. Naipaul

Li selecções dos diários de um cavalheiro vitoriano chamado A. J. Munby, e encontrei uma alma gémea. (...). Um dia, Munby, numa casa privada para a qual fora convidado, ou num hotel, entrou num quarto e viu uma criada de costas para ele. Falou-lhe e ela virou-se. Era jovem e tinha um rosto doce, e boas maneiras. Segurava um bacio na mão, e com a outra remexia o seu conteúdo: o que sugeria que havia sólidos no seu interior.
Decididamente Naipaul extremou-se, e na sequência do "A vida pela metade" (a minha obra favorita), arrasta-nos num percurso delirante com pormenores bastante escabrosos. Mais uma vez Willie serve-nos de guia, ele que se autodefine como aquele que se especializou em "Não estar em casa em algum lado, mas parecer estar sempre casa.", que para sobreviver se agarra em desespero "à contagem de camas em que dormiu", personagem que foi sempre vivendo as vidas dos outros, e que por isso nos conduz através do seu olhar sem mácula, com uma estrutura de camaleão adquirindo as tonalidades do que o envolve.Com início nos arredores de Berlim, a propos de um vendedor de flores tamil, num regresso às origens ao subcontinente indiano por entre grupos de guerrilheiros maoistas leninistas atrasados trinta anos a libertar as populações escravizadas dos já há muito extintos senhores feudais, mergulhamos com ele nas florestas de teca e no sistema de castas, esse sim escravizante para além dos esforços de gerações em se libertarem do estigma. Milagrosamente regressado a Londres, debruça-se sobre a evolução das classes servis e a vida aberrante da subsidiodepêndencia das populações que habitam a cintura da cidade de Londres. Naipaul voa para além da imaginação, o seu humor mordaz não tem limites, as suas caricaturas na verdade pouco tem de exagero e adaptam-se à realidade como retratos fiéis. As sementes mágicas há que descobri-las.... Não aconselhável a estômagos sensíveis, mas imperdível.

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